sábado, 22 de agosto de 2009

ONTEM COMO HOJE

Malebranche
Estava passando mais uma vez os olhos pela Divina Comédia, de Dante, quando me chamou a atenção, como não tinha acontecido até agora, no Canto XXI, os tercetos 37 e 38.
Referem-se os mesmos a uma passagem do Inferno, em que Malebranche, um inspector do Diabo, fala de Bonturo.
Bonturo, político e comerciante importante de Luca, tido como um corrupto de alto coturno, mas intocável, é por Malebranche apontado como um homem impoluto. Quer isto dizer, que já naquela época, era fácil limpar, na sociedade, os actos de corrupção que se praticavam, branqueando as infracções à lei que cometiam alguns políticos e homens importantes da fauna empresarial, falseando e subtraindo provas. Faziam-no, certos de que com os seus cargos e a sua posição, a justiça iria tremer. Como adiante se verá, até um inspector do Inferno também dará o dito por não dito.
Contudo, para bem desta sociedade genéticamente transformada em que nós vivemos, espero que isso se passe mesmo só no Inferno, de Dante.
Diz Dante, na fala de Malebranche:

37 - Malebranche já perto ele bradava
Eis um dos anciãos de S. Zita
Mergulhai-o, pois torna a gente prava

38 - Que nesta terra em grande soma habita
Venais todos lá são, menos Bonturo
O no por ouro, lá se muda em ita
"O não por sim"

É de admirar que textos de autores como Dante (1265-1321), que escreveu a Divina Comédia por volta de 1307 e do próprio Gil Vicente (+-1465-1536), com vasta obra satirizando os costumes da época, tenham tão actuais os conceitos em que se baseiam. De tal modo o estão, que podem ser aplicados aos tempos de hoje.
Nos tempos presentes, a corrupção e a ganância que lhe está subjacente, aviltam de tal forma as pessoas, que não olham a meios para atingir os seus fins.
É como diz o povo:

O dinheiro é tão bonito
É tão lindo o maganão
Tem tanta graça o maldito
Tem tanto chiste o ladrão

que é mesmo uma tentação.
Penso que Malebranche sacudiu, antecipadamente, a agua do capote, para que não pudessem dizer, à guisa de desculpa pelos actos praticados "São horas do demónio", ficando assim por culpado quem não tinha culpa de tais cometidos actos.
A ideia com que ficamos é a de que quem pratica tais faltas não é desonesto, é apenas uma pessoa que sabe contornar a lei que ele, à partida, sabe ser permissiva a tais actos.