sábado, 26 de junho de 2010

POEMA À BOCA FECHADA




Não direi:
Que o silêncio me sufoca e amordaça.
Calado estou, calado ficarei,
Pois que a língua que falo é de outra raça.

Palavras consumidas se acumulam,
Se represam, cisterna de águas mortas,
Ácidas mágoas em limos transformadas,
Vaza de fundo em que há raizes tortas.

Não direi:
Que nem sequer o esforço de as dizer merecem,
Palavras que não digam quanto sei
Neste retiro em que não me conhecem.

Nem só lodos se arrastam, nem só lamas,
Nem só animais bóiam, mortos, medos,
Túrgidos frutos em cachos se entrelaçam
No negro poço de onde sobem dedos.

Só direi:
Crispadamente recolhido e mudo,
Que quem se cala quando me calei
Não poderá morrer sem dizer tudo.

sexta-feira, 25 de junho de 2010

JOSÉ SARAMAGO, diria melhor do que isto



Querem colocar-me, em cinzas,
não sei onde.
Pensam assim prender-me
em qualquer lado.
Perdoo-lhes porque não sabem
que fazer de mim.
Coitados!
Mesmo morto,
do material,
de mim nada resta
nem nas cinzas eu estou.
No imaterial,
eu sempre estarei para além
de onde me colocarem.
Deste Mundo e do Outro,
eu estarei Na noite
Levantado do Chão.
Eu estarei nos Poemas Possíveis.
Eu estarei e sou o José
de Todos os Nomes
eu estarei para além
do Ano da morte de Ricardo Reis.
 O Baltasar Sete-Sóis
do Memorial do Convento
eu serei
e com ele construirei
a Passarola do Padre Bartolomeu.
Eu estarei acompanhando
o Elefante na sua viajem
e Provavelmente Alegria
estarei na Jangada de Pedra
ouvindo Jesus Cristo
ler o seu Evangelho.
Coloquem-me onde entenderem.
Façam-no e aprendam como eles
do Ensaio sobre a Cegueira.
Eu estarei sempre para além
do sítio onde me quiserem prender.


sexta-feira, 18 de junho de 2010

JOSÉ SARAMAGO



Morreu José Saramago!


A cutura dos povos de língua portuguesa ficou mais pobre.
Não serei pretensioso se disser que a cultura neste mundo global também ficou mais pobre.
E se com os sacrificios de "todos" (dizem), podemos sair da crise económico-financeira em que caímos, já na crise de identidade cultural para que caminhamos,
cabe aos que por cá ficaram não perder o legado que nos foi deixado por José Saramago, legado esse reconhecido a nível do mundo global.
A lucidez do seu "Ensaio sobre a Cegueira", prova-nos que a controversia gerada, quer pela sua obra, quer pelas opiniões emitidas quando entrevistado, que a forma como ele, homem da cultura, entendia como deveria ser o mundo à sua volta não sofreu desvios com a fama.  Nem ele, Saramago, perderia, até ao seu final, a sua verticalidade.
A todos irá acontecer o mesmo, só que nem todos terão a tua grandeza.
.........

Mas quando no teu destino
te calhou em sorte
conhecer seu rosto,
sei que quando chegou
te disse sorrindo,
És meu,
venho buscar-te,
Eu sou a Morte!