segunda-feira, 30 de novembro de 2009

TEMPO TRABALHADO


Trabalho só trabalho
o fado que marcou
o tempo em que nasceste
e que te acompanhou
quando no Hades entraste
no dia em que morreste.
Trabalho só trabalho
foi tudo o que ganhaste
na lide bem pesada
do pobre dia a dia
e as notas da carteira
que nunca foi achada
aquilo que encontraste
na labuta e canseira
duma vida vazia.
Mas quando já no fim
a vida te fugia
e descansaste, enfim,
com a sombra do desgosto
nos olhos que fechaste,
as rugas do teu rosto
e o teu corpo curvado
foi tudo o que tiraste
da carteira que achaste
no tempo trabalhado.

terça-feira, 24 de novembro de 2009

CRAVEIRINHA


28/5/1922 - Maputo 6/2/2003
O Poeta morreu.
A poesia chorou o homem
que a cantava
como a mãe terra chorou
o filho soldado que morreu
na guerra.
Lágrimas de sangue
chorou em silêncio o Poeta
no fragor da luta
rasgando o peito com as palavras,
mil balas
disparadas no interior do poema,
mostrando o coração
que falava de amor paz e liberdade.
O ódio não cabia nele.
Cantou o vermelho
das terras da savana
o verde
das arvores das matas
o amarelo
das asas dos pássaros
que livres cruzavam os céus
como ele cruzava as letras
da poesia dispersa no vento
e cantando
cantou a sua bandeira.
Negra é a dor da sua terra.
Chamava-se Craveirinha!
Não, Moçambique.
Mas Moçambique era pequeno demais.
Chamava-se África
o Poeta moçambicano.
E a África ficou mais pobre
porque o Poeta morreu!
(2005)

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

A vida é uma vela acesa entre um útero e uma tumba
A morte é um traço de união entre um instante, a vida, e a eternidade

TEMPO DE DIA DE ANOS


A vida não é um romance, é feita de pequenos contos que são inscritos no grande livro, até que um dia seja escrito FIM
Não me lembro dos meus dias de anos.
Julgo até que não fazia anos. Faz tanto temp!
Talvez o meu dia de anos passasse tão depressa que não tinha tempo para se fazer, ou então, os meus anos não me acompanhavam no tempo que eu ia passando e não se faziam, passavam.
Recordo sim o tempo do meu pai, como recordo o tempo de minha mãe. No tempo em que eu devia fazer anos, o tempo do meu pai foi curto. Foi tão curto, mas marcou fundo o tempo que esteve comigo. Durante esse tempo foi o meu porto de abrigo. Aliás os pais sempre são o porto de abrigo dos filhos.
Chamavam-lhe o médico dos pobres. Só o soube mais tarde, como só mais tarde entendi porquê.
Recordo o dia em que nos deixou. Era domingo. Um domingo de um mês de Abril. Poderia ser um domingo igual a tantos outros que haviam passado, mas aquele foi diferente. Foi um domingo ofuscado.
Eu estava brincando com outras crianças da minha idade, jogando à bola, mas o sol naquele dia não brilhava como costume, era misturado com cinzento. Pelo meio da tarde chegou uma notícia que eu, ingenuamente, não soube entender.
Uma vizinha chamou-me, pegou-me na mão e juntamente com a sua filha, a Rosa, levou-nos para sua casa. Ajoelhamo-nos diante de uma imagem, razoavelmente grande, pintada de cor azul e que tinha muitas estrelas. Começamos a rezar. A meio da reza a minha vizinha enganou-se e voltamos ao príncipio. Eu não entendia aquelas coisas, mas não sei porquê, com aquele engano, dentro meu peito algo deu um salto e ao recomeçar a rezar tive o pressentimento que não voltaria mais a ter meu pai, que o meu pai não mais entraria a porta da nossa casa.
Comi em casa daquela vizinha e só depois me levou a minha casa.
Os meus tios, a irmã da minha mãe e o marido, o meu tio Zé, tinham vindo, entretanto, para nossa casa fazer-nos companhia.
Pela noite dentro vieram dois homens bater à nossa porta dizendo o que eu não entendi e perguntar como minha mãe, que estava desfeita, queria o funeral. Recordo-me que o meu tio Zé os empurrou pela escada, de uma forma que me admirei, pois meu tio era uma pessoa muito calma.
Funeral era coisa que eu não entendia. O que era um funeral?
Pela manhã foram chegando pessoas a casa, com cara circunspecta e ar sério, que tinham palavras de conforto para minha mãe e para meus irmãos, a minha irmã e meu irmão, já adultos. A mim passavam-me a mão pela cabeça. E foi assim quase o dia todo.
Dizem que as crianças se tornam adultos em presença da morte. Sinceramente eu não entendia o que se passava. Apenas sabia que o meu pai , fisicamente, não estava ali e eu continuava a ser uma criança sem compreender o que se passava à minha volta.
Só comecei a entender quando, passados alguns dias, começamos , minha mãe e eu, a ir ao cemitério ver a campa do meu pai, onde a minha mãe colocava flores. A campa do meu pai era um pequeno monte de terra a mais, igual a tantos outros que estavam ali, numa fila.
Ainda agora sinto a falta do meu pai, da minha mãe, da minha irmã, enfim, dos membros da minha familia que me estarão esperando do outro lado da vida. Muitas vezes me pergunto se nos vamos encontrar todos do outro lado da vida e nos iremos reunir novamente, como faziamos pelo Natal. Com o tempo compreendi que a passagem é tão efémera e deixa uma saudade tão grande, que não dá tempo para que tivesse tido dia de anos até agora.
Talvez por isso, depois daquele domingo, que não era dia dos meus anos, nunca mais tive tempo de dia de anos.
Dos dias anteriores, não me recordo.